quinta-feira, 6 de janeiro de 2011

PENIS PASSION - bell hooks*

P.S: Não deixem de ler, é um texto muito bom, vale a pena!

                                                                                                  Tradução: Marcio Macedo (Kibe)

Trabalhando num poema inspirado pela alegria de fazer sexo no menor estúdio do mundo, sentada sobre uma velha poltrona pintada de vermelho onde passo a maior do tempo escrevendo, busco por palavras para descrever a sensação de sentar ao colo da doce luxúria movendo meu corpo para trás e para frente contra o delicioso, quente e úmido pênis de meu amante A. Entre os pênis que vi e toquei neste mundo, o dele é que me dá maior sensação de prazer. No entanto, é difícil encontrar palavras para descrever o prazer que sinto que não perpetuem o convencional pensamento sexista sobre o pênis.
Mulheres encontrando e expressando prazer no corpo masculino durante muito tempo foi um tabu completo. Antes do movimento feminista e da liberação sexual contemporâneos, nós mulheres não falávamos muito a respeito de nossos sentimentos sobre o pênis. Sem dúvida então que quando nós finalmente demos a nós mesmas permissão para falar o que quiséssemos sobre o corpo masculino – sobre a sexualidade masculina – nós ficávamos ou em silêncio ou meramente ecoávamos narrativas que já estavam em uso.
No final dos anos 60 e início dos 70, mulheres heterossexuais ativas no movimento feminista falavam frequentemente de forma corajosa e orgulhosamente sobre o pênis, usando a mesma linguagem de conquista sexista que homens usavam quando falavam de suas caçadas sexuais. Naqueles dias nos grupos de elevação da consciência feminista, nós não somente conversávamos a respeito de como mulheres tinham se tornado mais confortáveis com palavras como “boceta” e “xoxota”. Desse modo, homens não poderiam nos estarrecer ou nos envergonhar ao manejar essas palavras como armas, nós também tínhamos que ser hábeis em falar sobre “paus” e “pintos” com a mesma facilidade. A liberação sexual já tinha nos dito que se quiséssemos satisfazer um homem tínhamos que nos tornar confortáveis com “chupetas”, de ir fundo com o pau em nossa garganta até o ponto que machucasse. Desistindo de nossa agência sexual, tínhamos que aceitar a dor a fingir que ela era na verdade prazer.
Intervenções feministas sobre a questão da sexualidade, junto com um sofisticadas formas controle de natalidade, mudaram isto. Era dito as mulheres que queriam ficar com homens que nós tínhamos o direito de definir o lugar do prazer para nós e a vontade de afirmar nossos direitos sexuais. Isto nos fez entender que não tínhamos que consentir com a força ou fingir apreciar dor. Isto nos fez entender que o pênis não era uma cobra de um olho só saindo do bolso de uma calça no jardim do júbilo sexual, ameaçando transformar nossos corpos em um lugar em que a dor define, penetra e pune. Não precisávamos vê-lo [o pênis] como inimigo.
Como muitas jovens que chegaram à idade naquele intenso e extasiante momento quando liberação sexual e movimento feminista convergiram, eu também deixei de lado o medo do pênis que assombrou minha infância. Esses medos estavam enraizados não em inveja do pênis ou do corpo masculino, mas na raiva de que ele tinha que ser temido. Naqueles dias a mensagem sobre o corpo masculino que mulheres recebiam alto e claro era que, quisessem ou não, a penetração poderia mudar a vida de uma garota para sempre. Ela nunca mais seria a mesma; ela nunca seria boa/pura outra vez. Lembro-me da pura felicidade que o controle de natalidade nos ofereceu. Ele significava que não tínhamos que temer o pênis. Podíamos aceitar nossa curiosidade sobre ele, nossas dúvidas e nossa paixão.
Quando garotinha eu pensava no pênis como uma varinha mágica. Mágica porque ele poderia se mover e mudar a sua forma; sementes poderiam sair dele e chegariam a vida dentro do corpo de uma mulher. Eu só tinha visto o pênis de um bebê – não era inveja que eu sentia, mas curiosidade. Eu temia por ele e sua varinha mágica, tão exposta, tão fácil de ferir e machucar. E como tantas garotas já testemunharam, eu estava aliviada que meus genitais femininos não eram para fora, expostos, visíveis.
Este senso de fascinação e apreciação infantil do pênis mudou quando avisos sobre o perigo sexual e a ameaça que o corpo masculino destruiria a inocência feminina tornou-se a norma. Naqueles dias não havia nenhuma discussão sobre paixão feminina. Em meu imaginário sexual a varinha se transformou em arma, somente homens a usavam para nos rebaixar, nos destruir.
Sem dúvida que mulheres se maravilharam quando controle de natalidade e a insistência feminista sobre agência sexual feminina tornaram possível para nós refletir sobre o pênis de uma nova forma. Nós podíamos vê-lo como um instrumento de poder e/ou prazer. Podíamos nos abaixar entre pernas masculinas, nos abandonarmos em mistérios e levantarmos saciadas e satisfeitas com o entendimento que podíamos dar e receber prazer sexual. Podíamos expressar nosso incomodo em expressões como “chupetas” (blow job), a qual assumia que toda vez que chupássemos um pinto isso era uma espécie de trabalho que fazíamos somente para agradar aos homens.
Uma geração posterior, mulheres vivendo na nova cultura de liberdade que o feminismo e a liberação sexual produziram, iriam de início abordar o pênis ausentes de medo. Escrevendo sobre a chegada ao poder sexual na sua puberdade em Promiscuities, Naomi Wolf se recorda como rapidamente ela e suas amigas deixaram de pensar em “chupar pintos” como algo estúpido para passar a um interesse apaixonado: “Dentro de um ano, nós estávamos obcecadas. Nem tanto com o pênis em si... mas muito mais com o que eles eram – a improbabilidade deles, a bela bizarrice, a maneira que eles estranhamente cresciam por vontade própria e estranhamente desafiavam a gravidade, sua insondável responsividade.” Mas a conversa feminina sobre fascinação com o pênis frequentemente se limita as recordações da infância e puberdade. Não porque cessa-se de se encantar, mas porque os aspectos de encantamento do pênis perdem seu charme quando vinculados a estratégias de dominação masculina.
Embora feministas contemporâneas tenham trabalhado duro nos anos 70 para chegar a novas maneiras de falar a respeito de agência sexual feminina em relação ao pênis, novas palavras não caíram no uso geral. Mulheres individualmente davam engenhosos e bonitinhos nomes aos pênis de seus parceiros, mas no final de tudo, não houve uma revisão largamente aceita de como nós todas poderíamos ver e experienciar o pênis.
Naquela época e agora, mulheres falam sobre como as palavras usadas para descrever a genitália feminina são muito mais variadas e interessantes do que aquelas usadas para descrever os genitais masculinos. Lendo muita literatura erótica, tanto gay como heterossexual, fiquei decepcionada ao descobrir que ao final das contas, o pênis é ainda representado como uma arma, como um instrumento de indelicada e dolorosa penetração. Pensado em termos de força, seja em descrições de sexo consensual prazeroso ou sexo forçado e bondage (servidão/dominação), nenhum deles parece ter muito a dizer sobre o pênis que questiona e transforma a representação sexista. Identificar o pênis sempre e unicamente com força, como sendo um instrumento de poder, uma arma primeiro e acima de tudo, é participar no reverenciamento e perpetuação do patriarcado. É a celebração da dominação masculina.
Sem dúvida então que enquanto o feminismo progrediu, mas muitas mulheres anti-sexistas sentem que não há formas de engajar o pênis que não reforcem a dominação masculina. Enquanto muitas feministas num ato político escolheram o lesbianismo ou o celibato como uma forma de resistir a subordinação sexual sexista e, conseguintemente, não tem interesse no pênis, aquelas de nós que apreciam a paixão pelo pênis frequentemente nos encontramos silenciadas pela suposição que a mera nomeação de nosso prazer é traiçoeiro e apoia a tirania do patriarcado. Isto é simplesmente um erro lógico. Submeter-se ao silêncio nos torna cúmplices. Nomear como nos comprometemos sexualmente com corpos masculinos, e mais particularmente o pênis, em formas que afirmem a igualdade de gênero e posterior liberação feminista de homens e mulheres é um ato essencial de liberdade sexual.
Quando mulheres e homens podem celebrar a beleza e poder do falo em formas que não apoiem a dominação masculina, nossas vidas eróticas são melhoradas. Em um ensaio publicado na antologia Transforming a Rape Culture, escrevi como tive que mudar meu pensamento sexista a respeito do pênis – deixando de lado a fetichização erótica do pinto rígido penetrador, para abraçar uma erotização do pênis que era mais holística. Minha paixão pelo pênis se intensificou quando parei de pensá-lo somente em relação a performance, a penetração. Apreciei aprender como ser sexualmente despertada pela visão de um pênis não ereto.
Dando continuidade a tradição das primeiras feministas contemporâneas que eram defensoras da liberdade sexual, acredito que ainda precisamos ver mais imagens do pênis na vida cotidiana. Em um contexto de prazer sexual mútuo enraizado na igualdade de desejo, há espaço para uma política da sexualidade que é variada, que possa incluir pintos eretos/duros, rough sex e penetração como demonstração de poder e submissão, porque estes atos não são intencionados a reforçar a dominação masculina. Mas sem este contexto sexual progressista nós acabamos sempre criando um mundo onde o pênis é sinônimo de negatividade e ameaça.
O presente risco à vida das doenças sexualmente transmissíveis tem sido usado por conservadores sexuais para reforçar sentimentos anti-pênis. Muitas mulheres voltaram a um temor do pênis que é praticamente vitoriano. A despeito da revolução sexual e da prevalência do pensamento feminista, não foi necessário muito tempo para que convenções sociais sexistas triunfassem sobre as novas maneiras de refletir sobre sexualidade introduzidas pelo feminismo e movimento gay. A visão do falo, sempre e unicamente, como um instrumento de força é conservadora e falha. Mas ela ainda reina suprema. Sinto-me desanimada quando leio literatura erótica lésbica onde todos os falos simbolicamente usados no jogo sexual são descritos usando um vernáculo sexista, reforçando a noção do falo, seja ele real ou simbólico, como uma arma. Claramente, nós devemos continuar o trabalho de criar uma fronteira sexual libertária, lugares onde o pênis seja apreciado e estimado.
Mudar a forma como falamos sobre o pênis é uma poderosa intervenção que pode questionar o pensamento patriarcal. Muitos homens sexistas temem que seus corpos percam significado se nós avaliarmos o pênis mais pela sacralidade da sua existência do que pela sua capacidade performática. Depois de uma refeição romântica com um homem que capturou meu interesse sexual, enquanto estávamos sentados na minha sala de estar ouvindo música, pedi a ele que me mostrasse seu pênis. Ele respondeu em alarme. Encontrávamos completamente vestidos. Não estávamos engajados em preliminares sexuais, mas o clima era erótico. Ele pareceu alarmado ao pensamento do seu pênis sendo observado fora de um contexto de performance e quis saber porque eu queria vê-lo. Respondi que queria vê-lo para saber se iria gostar dele. Ele perguntou: “Você vai saber se vai gostar olhando pra ele?” Respondi: “Eu vou saber olhando.”
Compartilhei essa história com amigo/as, e todas às vezes homens e mulheres respondiam o tanto quanto duramente eu tinha ameaçado a sua masculinidade. Creio que a noção de ameaça surgiu simplesmente porque eu estava reivindicando a primazia do olhar feminino, uma agência sexual feminina não informada por condicionantes sexistas que separaram prazer, no corpo masculino, da performance do pênis.
Retornando para a bem-aventurada noção de sacralidade do corpo, de prazer sexual, nós reconhecemos o pênis como um símbolo positivo da vida. Seja ele ereto ou não, o pênis pode ser sempre uma maravilha, uma vontade, uma varinha mágica. Ou ele pode ser associado a uma a uma lagarta, como Emily Dickinson ternamente afirma: “Tão suave uma lagarta caminha - / Encontro uma sobre minha mão / Que mundo de veludo”

 
*Notinha do rodapé!

Nome: Gloria Jean Watkins.
Pseudo-nome: bell hooks, como gosta de ser chamada.
Nascida a 25 de setembro de 1952, no Kentucky – EUA.
Escritora norte-americana.
O apelido que ela escolheu para assinar suas obras é uma homenagem aos sobrenomes da mãe e da avó. O nome é assim mesmo, grafado em letras minúsculas: “o mais importante em meus livros é a substância e não quem sou eu”.
Infância: Estudou em escolas públicas para negros nos EUA, lá, as escolas continuam praticando segregação racial.
Adolescência: passou para uma escola integrada, viveu a discriminação de ser minoria numa instituição onde tanto os professores quanto os alunos eram majoritariamente brancos.
Família: numerosa, cinco irmãs, um irmão, pertencente ao que os americanos chamam de, classe trabalhadora! bell hooks usou a própria vida, a vizinhança, a escola, como fontes dos seus primeiros estudos sobre raça, classe e gênero, sempre buscando nesses três elementos, os fatores da perpetuação dos sistemas de opressão e dominação. Seja de brancos contra negros; de homens (mesmo negros) contra mulheres; de ricos contra pobres.
Já foi premiada com um The American Book Award, um dos prêmios literários de maior prestígio em seu país.
Entre as influências da autora, além de Martin Luther King, Malcom X e Eric Fromm, figuram as teorias de educação defendidas por Paulo Freire.


bell hooks é autora de Wounds of Passion, publicado pela Henry Holt and Company.

Penis Passion, bell hooks, Shambhala Sun, julho de 1999.

3 comentários:

Ana Fátima dos Santos disse...

eu gosto de pensar no pênis, mas me senti embebida de prazer sem precisar dele ao ler este texto. Quero fazer amor agora...

Poeta da estação disse...

Que rápido esse moço! Esse ChicO é demais veí!!!! adorei o texto e gostei do Kibe...visitem-no!
Bjos do Reino de Nárnia !
Elque

Logan disse...

Nunca refleti tanto sobre meu pênis e a função dele na minha vida como durante a leitura deste texto fantástico ...