terça-feira, 15 de março de 2011

Urrando...






A fome olhou pra mim de uma forma diferente hoje.
Olhou-me por algum motivo.
Qual? Não faço ideia.
O fato é que me fez refletir...


Foi assim:
Ela entrou.
Entrou com uma voz rouca e estranha.
E...
De joelhos no chão.
É difícil ser faminto, imagino...
Às vezes, para além de difícil, é feio e, com toda certeza: dói.
Então ela dizia repetidamente:


Estou com fome!
Eu tenho fome, gente!
Eu tenho fome Salvador!
Eu tenho fome.
A fome urrava dentro daquele ônibus.
Dentro daquele estômago.
A fome é um soco no estômago.
Ela também chorava, chorava copiosamente.


Se era alguma espécie de teatro, não sei.
Francamente não sei.
Estamos tão acostumados a olhar uma cena destas como se dissimulação que...
Nos desresponsabilizamos, nos tranqüilizamos, afinal, não é problema nosso.
Mas eu sei que aquela criatura não era uma espertinha,
sei lá...
Eu acho que não, prefiro acreditar que não, e, portanto não era.


Não, não era. Ninguém se humilha tanto por esperteza. Por dez centavos...
Ela é real, mas parecia cinema...
Ela é um problema social.
Não que ela seja um problema propriamente dito, nada disso, só que o que ela retrata nesse seu discurso é o grande problema, é o grande lance. É o “x” da questão.
O grotesco se revelando sincero diante dos olhos de quem é sensível pra ver.
Muita gente não é!
Ela é uma dessas pessoas que moram, por um motivo específico e que desconheço, debaixo de uma ponte. A dela é a do Aquidabã, em Salvador!
Por alguma razão fiquei inerte perante aquilo.
Não parei de fazer o que estava fazendo.


Eu lia um texto, que se quer entendia bem, mas continuei lendo.

O trânsito caótico da cidade não me distraiu nem nada,
Nem o trânsito, nem o texto, pronto...


Só me restou aquela fome.
Só aquela fome se embrenhado em meus ouvidos em forma de urros...


Eu poderia até dissimular que aquilo não me atingia.


Mas veio forte demais.
Chegou ao ponto de Incomodar.
Coisas da fome...
Ela sempre vem assim...
Por outro motivo que também desconheço,
Não desembolsei uma moda e estendi àquela mulher.
Tanta gente grita de fome, e as minhas moedas não vão salvar o mundo.
Mas amenizaria.
Olhei-a fixamente, mas não me mexi.
Sim, eu fui cruel.
Certa culpa me ronda agora...


ChicO, o dia não poderia ter terminado pior!
Eu não estendi a mão...


A sorte é que eu acho que tenho poesia... E isso me redime de um modo ou de outro!

15.03.11

P.S: A curiosidade gostaria de saber o nome daquela Mulher. Por pura falta de escolha chamo-a: Fome!