quarta-feira, 6 de maio de 2009

O acidente

No dia 01/05/2009, dia do trabalhador, portanto, feriado, dia de descanso e farra, na porta do meu condomínio, morre uma Senhora, minha vizinha, na flor dos seus 69 anos, atropelada por um carro desgovernado que a atingiu e também a um ciclista.
Eu ouvia música alta e escrevia meu trabalho para a faculdade...
Só ouvi a freada e o baque estrondante:
Bommmmm.
Pessoas gritavam... Corriam em direção ao portão. Constatavam osinal que o barrulho os dissera antes: os corpos, no meio pista e bem em frente ao portão do condomínio.
O motorista fugiu. Não se sabe bem se homem ou Mulher. Segundo as línguas que fofocam sobre, e que são muitas, era uma mulher. Sua placa fora anotada, mas não temos notícias de quais foram às conseqüências que sofreu, além do seu carro amassado. E se tiver alguma, consciência pesada por ter matado e ferido pessoas, sim, pessoas!
O ciclista ficou muito machucado. Parecia querer e insistia em levantar, mas não conseguia, tinha duas fraturas, uma em cada perna, escoriações e feridas espalhadas por todo o corpo. Tinha também, sua bicicleta partida ao meio com a roda completamente amassada.
Um homem o queria ajudar a levantar, mas não o fez, graças aos olheiros curiosos que o impediram. Os olheiros curiosos ao menos sabiam que não se deve tocar em vitimas nesta situação. O asfalto estava quente e devia estar doendo muito. Ele gritava “oi” “oi”, gemia sem parar. E queria porque queria levantar. Não conseguia...Tinha muitas dores e um sol maltratando. Quem viu o acidente, disse que eles, os acidentados, voaram. Voaram mais alto que o muro do condomínio, tamanho foi o choque. Pelo barulho que fez, dava até pra calcular que boa coisa não foi.
Muita gente na pista, queriam ver. Ver a miséria dos outros, sem muita piedade ou até com alguma. Mas este seria o assunto do resto da semana, ate esquecerem que existiu uma senhora que morava no mesmo condomínio que eles e que tivera sua vida brutalmente arrancada. Ver e não parar de ver. E saber cada detalhe com muita curiosidade e frieza.
A SAMU chegou. Demorou mais do que o necessário. Mais do que meia hora. Chegou com um alto-falante, pedindo para que as pessoas saíssem da pista e assim, pudessem trabalhar, mas a curiosidade foi maior e ninguém se movimentou.
Queriam era saber, saber quem foi, como foi, que carro foi...
Nesse ínterim, antes da chegada da SAMU, o corpo da Senhora fora coberto pelos moradores, vizinhos próximos. Sua filha já estava aos prantos, tremula e desesperada em ver a mãe no chão, pálida, sangue escorrendo do talho profundo feito em sua cabeça, perna virada, roupa suspensa e morta. Só que a filha tinha a esperança e o desejo de que ela estivesse viva. O porteiro, que assistia tudo, completamente parado, por ser sinalizado, cedeu a cadeira em que estava sentado para a filha da Senhora.

E se ficasse viva, sabe-se lá Deus com quais seqüelas ficaria... " Deus sabe o que faz!"

Ela, a filha, gritava e chorava. Eu vou como a minha mãe. Eu quero um hospital particular. EU PAGO. EU PAGO, dizia ela!!! Suas vizinhas de prédio tentavam explicar que o procedimento não era aquele, que o primeiro atendimento realmente tinha de ser feito num Hospital Público, Roberto Santos Ou HGE, mas ela não queria saber, queria a mãe dela bem tratada, fora daquele chão e daquela demora dos primeiros socorros, daquela humilhação de morrer daquele jeito. Talvez este não seja o melhor jeito de morrer.
Algum Espírita, Cardecista, comentou ao meu lado que seu espírito, talvez estivesse ali, olhando para o próprio corpo. E que talvez não aceitasse a própria morte. Morrer assim parece que não cabe para os espiritualistas, nem pra mim, francamente...
A amiga da morta solta a fase ao meu lado, creio que ela seja católica: "Meu Deus, uma mulher que acreditava tanto em Deus. Como pode?? Acreditava em Deus até ao atravessar a rua..." Elas eram muito amigas.
E agora? Aquele corro acabou com a vida da amiga. Com quem ela vai conversar e qual a última lembrança que vai levar da amiga?
E a filha?
E o neto?? Que chorava com a namoradinha abraçada a ele...
" Ele dizia ao ver o desespero da Mãe: Não mãe, eu vou com minha Vó!"
A SAMU termina os primeiros procedimentos com a Senhora enquanto o outro carro de atendimento chega. A SAMU não sai ao colocar a Senhora dentro do Carro...
Isso é comentado pelos curiosos. Eu tenho a impressão de que ali já havia sido confirmada a morte dela, mas como elas só dão os primeiros socorros e somente um médico pode dar o veredito...
Esperasse até o ciclista também ser atendido. E só então os carros saem levando os feridos... Não sabemos de mais nada depois daí, só da morte e do enterro dela, que fora no dia seguinte às 4:00h da tarde!
O que será que pensa a pessoa que tinha tanta presa naquele carro?? Tem dor de consciência?? Quantas vidas ela atingiu em paralelo a da Senhora?? Hum... Como anda seu psicológico?? Talvez tenha remorso e culpa. Não sei bem qual o tipo de sentimento que "posso" ter por ela...

A semana acabou e os curiosos ainda comentam o que viram... Mas daqui a pouco esquecem. O jornal deu uma nota mínima comentando a morte, sem dar muita importância, sem informações mais abrangentes e o assunto ficou encerrado.

P.S: depois da nota no Jornal, achei que aquela Senhora merecia mais do que aquilo. Aquele texto mal escrito e com miseras informações. Acho que ela merece ser imortalizada aqui. Ela não é apenas uma informação para o cantinho do jornal, ela é uma vida interrompida! E tantas outras são tratadas assim todos os dias...

Que descanse em paz!
Que descansem em paz todos os mortos!

ChicO. 06/05/2009.


Outro P.S:. Estou estudando sobre violência, numa matéria de literatura. É tão diferente falar sobre violência e ver a violência perante os olhos...
Como as pessoas reagem diante da morte. Não há mais sentimentos, só curiosidade de ver o outro num estado indefeso e sem volta.

Morrer antes era sagrado, era ritualístico, sentimento...

Agora, na sociedade do espetáculo... Cada morte é apenas mais uma morte. Mais um espetáculo. Amanhã teremos outro e outro e outro...

5 comentários:

Elque Santos disse...

pois é Milarte...eu penso assim depois de tantas mortes, banalizar é comum...simplesmente não há mas horror,pranto ou tormento a vida perdeu seu valor...Somos frágeis, estamos aqui instavelmente o hoje estamos aqui então vamos celebrar a vida...

Empoemamento disse...

É, parece espetacular mesmo!

Até eu não senti quase nada ao ver aquele corpo estendido, e me pergunto: será que eu fiquei tão pós-moderna assim??

Me incomodou não sentir nada, pq sou sensível, eu sei, mas ...

Andei internalizando teorias(?) que não quero pra mim...

Gosto de pessoas e não de vê-las mortas.

Não que eu tenha sentido qualquer prazer ao ver aquele corpo, mas também, não senti dor, nem pena, nem pude fingir, só olhei e, duas pessoas me disseram: isso dá um conto.

Não escrevi um conto, mas contei.

Isso foi tão frio quanto morrer.

Talvez se ela fosse mais próxima a mim... quem sabe não sentisse? Quero um conforto e uma descupa por não ter me abalado.

Mas mesmo assim, não quero não me espantar perante a morte. Eu quero mesmo é o espanto e o sentimento. De resto... Quem quiser que seja tão pós-moderno!
Eu só o quero na medida! Quero ser antiquada, careta e sentimental!!!!!! Pronto.

Não quero perder isso.

Clara disse...

Ao pensar na morte, seja a simples idéia da própria morte ou a expectativa mais do que certa de morrer um dia, seja a idéia estimulada pela morte de um ente querido ou mesmo de alguém desconhecido, o ser humano maduro normalmente é tomado por sentimentos e reflexões.

As pessoas que se regozijam em dizer que não pensam na morte, normalmente têm uma relação mais sofrível ainda com esse assunto, tão sofrível que nem se permitem pensar a respeito.

Esses pensamentos, ou melhor, os sentimentos determinados por esses pensamentos variam muito entre as diferentes pessoas, também variam muito entre diferentes momentos de uma mesma pessoa. Podem ser sentimentos confusos e dolorosos, serenos e plácidos, raivosos e rancorosos, racionais e lógicos, e assim por diante.

Enfim, são sentimentos das mais variadas tonalidades.
Isso tudo pode significar que a morte, em si, pode representar algo totalmente diferente entre as diferentes pessoas, e totalmente diferente em diferentes épocas da vida de uma mesma pessoa.

Portanto querida poeta, não se culpe por seus sentimentos naquele momento.

Cileninha Farias disse...

Sinceramente eu não sei o que é tudo isso. Perdi meu avô há 3 mêses, não de acidente, ele tava doentinho, mas a gente não esperava que ele fosse rápido, ele era forte. E eu não consegui entender a dimensão do que foi, mas me pego naquela coisa de saber que ele tá bem e peço p/ q ele sempre tenha muita paz de espírito. Eu não quis ver meu avô no caixão não, eu preferi ficar com a lembrança dele vivo e feliz. Tudo foi muito forte. Deus sabe o que faz, mas a gente não aceita muito não, talvez porque a morte é a única certeza que a gente tem mesmo.



Eu vi a cena toda através do que você descreveu e só tenho a lamentar pela senhora, pelo rapaz e pela banalização da morte e do amor também!


Consciência pesada é café pequeno. Essa imprudente não vai ter mais sossego não.

Poetinha Feia disse...

Miloca,

Estou sem palavras, realmente sem palavras!

Tenho um documentário muito interessante que vou gravar p/ vc.

Eu tbm estudei nas férias uma disciplina muito bacana "Leituras de Produções de Mídia" e que trata justamente da espetacularização... enfim não sei realmente o que escrever.

Depois conversaremos sobre isso!


Bjinhos